Selar com lacre a palavra é o estado de quem cala, mas quebrar o Lacre do Silêncio é uma condição infratora aos padrões da realidade agressiva e da vida ritualista que nos calha viver.
Desde o aparecimento de Sermões de Pradaria a criação poética em José Telles vem se firmando como a instância de uma existência que almeja tudo, e esse tudo já não é apenas um álibi para justificar as suas comedidas e necessárias infrações românticas.
Ouso dizer que só reconheço superioridade intelectual no escritor que a cada novo livro consegue ampliar o horizonte do leitor sem se repetir. O livro que temos em mãos produz esse efeito porque não é apenas a decifração intimista de quem se sacraliza diante de um espelho que estilhaça as virtudes de linguagem, mas a noese primordial de um poeta consciente que dialoga com suas dúvidas para viver por inteiro o seu próprio dilema.
O que se canta e se encena neste livro são temas de inesgotáveis questionamentos filosóficos. Eis a fonte genesíaca da sua criação: a alcova, a solidão, o instante quebrado e a dúvida de quem assiste o tempo pintar suas cãs para renová-lo.
Raríssimos são os poetas que sabem viver tão intensamente a sua maturidade intelectual quanto o nosso irmão maior José Telles. Ele não tem cicatrizes afetivas, nem desvios de comportamentos, muito menos se fixa às raízes emocionais dos tiranos da convivência abusiva, e assim mesmo todos se renderam à envolvência da sua lírica, ao seu bom caráter e ao seu ímpeto realizador.
José Telles é um poeta harmonioso que tem ânsia de saber e de viver seus “instantes” que se estiram na corda do tempo, e por essa corda ele ascende ao cimo da arte como se ainda procurasse na palavra perdida a função social e a estrutura humanística da linguagem mais apropriada a cada novo tema.
Livre das paixões rastejantes, o poeta cai das nuvens do amor, desce ao inferno da solidão e ainda é capaz de estender a mão para prolongar um diálogo, fazendo dos amigos os ouvintes mais privilegiados nos seus saraus idealinos às sextas-feiras.
Ouçamos-lo com atenção: Dentro de mim somos expulsos, eu e minha lógica. O ponteiro do meu relógio marca as horas morrendo.
Eis a poesia puríssima e mais, é a integração espirituosa de quem já não se assombra com o entardecer que conduz a vida nas suas fugas do real. Parece certo dizer que a poesia de José Telles é um iceberg que boia no seu íntimo, já congelado, pelo anestésico da palavra.
Agora que o Lacre do Silêncio foi quebrado, nós leitores podemos sentir como uma reflexão se converte numa metáfora poderosa e transformadora. Deixemos então que a poesia se salve na alma das palavras suficientes, que evole-se e ganhe altura nas cordilheiras das nossas dúvidas e que os versos do poeta se eternizem nos instantes quebrados das nossas memórias, afinal, é função da boa poesia produzir esse efeito, um efeito longo e prolongado no espírito do leitor.
Ruy Câmara é poeta e romancista.